sábado, 26 de agosto de 2023

QUE PALAVRA!

Sineiro

De sino+eiro - Pessoa que cuida dos sinos, que toca os sinos. Fabricante de sinos. O lugar da torre onde se encontram os sinos. (Minidiconário da língua portuguesa Silveira Bueno com etimologia).

Em A Semana, compilação de crônicas de Machado de Assis publicadas em jornais da época, leio a história da morte do sineiro da Glória:

Entre tais e tão tristes casos da semana, como o terremoto de Venezuela, a queda do Banco Rural e a morte do sineiro da Glória, o que mais me comoveu  foi o do sineiro.

Conheci dous sineiros na minha infância, aliás três, - o Sineiro de S. Paulo, drama que se representava no teatro S. Pedro, - o sineiro da Notre Dame de Paris, aquele que fazia um só corpo, ele e o sino, e voavam juntos, em plena Idade Média, e um terceiro, que não digo, por ser caso particular. A este, quando tornei a vê-lo, era caduco. Ora, o da Glória, parece ter lançado a barra adiante de todos. [...]

O sineiro da Glória é que não era moço. Era um escravo, doado em 1853 àquela igreja, com a condição de a servir dous anos. Os dous anos acabaram em 1855, e o escravo ficou livre, mas continuou o ofício. Contem bem os anos, quarenta e cinco, quase meio século, durante os quais este homem governou uma torre. A torre era ele, dali regia a paróquia e contemplava o mundo. 

Em vão passava as gerações, ele não passava. Chamava-se João. Noivos casavam, ele replicava às bodas; crianças nasciam, ele repicava ao batizado; pais e mães morriam, ele dobrava aos funerais. Acompanhou a história da cidade. Veio a febre amarela, o cólera-mórbus, e João dobrando. Os partidos subiam ou caíam, João dobrava ou repicava, sem saber deles. Um dia começou a Guerra do Paraguai, e durou cinco anos; João repicava e dobrava, dobrava e repicava pelos mortos e pelas vitórias. Quando se decretou o ventre livre das escravas, João é que repicou. Quando se fez a abolição completa, quem repicou foi João. Um dia proclamou-se a República, João repicou por ela, e repicaria pelo império, se o império tornasse. (Publicado em 4 de novembro de 1900)

A bela crônica de Machado de Assis prossegue. Pararei por aqui visto que há quase quatro páginas. O leitor poderá encontrar o texto completo na maravilhosa rede.

Nos tempos de Machado - Na época em que Machado de Assis escreveu a crônica algumas palavras da nossa língua era diferente, seja na forma como era escrita ou num acento gráfico. A palavra dois era dous; ele tinha acento e assim por diante.





Nenhum comentário:

PROVÉRBIO

A ociosidade é madrasta das virtudes.