"Sem comer ninguém veve," disse com a maior simplicidade e inculpabilidade uma pessoa do povão, ao terminar de fazer sua feirinha.
O estranho disso tudo é que a tal falante não é uma pessoa que tenha setenta ou oitenta anos. Um alguém que tenha vivido nas eras em que ir para a escola era difícil e às vezes impossível. Um alguém, portanto, analfabeto, que não saiba diferenciar um agar de um xis. Não era uma pessoa com esse perfil.
Pelo contrário. Era uma pessoa que está na lista dos privilegiados, se assim podemos chamar os que puderam, com a maior facilidade ter acesso ao ensino gratuito, transporte na porta, livro didático e paradidático na mão e merenda na boca. Talvez não tenha tido o privilégio de ter ar condicionado na sala, mas provavelmente tenha recebido também fardas e até cadernos gratuitos oferecidos pela prefeitura ou governo do estado.
Antes de culpar a falante pelo veve, apesar de ter concluído o Ensino Médio, prefiro dizer que muitas pessoas sabem de algo, mas não praticam. No caso da linguagem é a mesma coisa. Há alunos que dizem "não truxe o livro", mesmo sabendo que o correto é "não trouxe". Assim como somos podemos ser influenciados por pessoas más com maus comportamentos, com a linguagem é a mesma coisa.
A falante do meu texto disse que sem comer ninguém veve, mas tenho certeza que sem comer ela não vive. Nem eu nem todos nós viveremos.
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