Objeto de trabalho
Lá para as tantas, de mãos bastante cansadas, ele deixou escapulir de sua mão direita, o seu instrumento principal de trabalho. Ali preso à mão, fazia horas que o manejava com precisão. Estava com os pensamentos afiados naquele dia. Outros diriam que estaria em momentos de inspiração, privilegiado pelos deuses da sabedoria.
Bobagem, dizia ele quando alguém insinuava inspiração vinda dos deuses. "Ela vem na hora em que menos se espera. Vem e pronto. Não tem explicação plausível". Era sua crença.
Caiu, mas logo apanhou e continuou o trabalho. Era encomenda de dias. Já estava atrasado. Aqueceu a mão, alongou os dedos e continuou. Seguiu em ritmo lento, mas depois acompanhou o raciocínio a toda velocidade. Era preciso acompanhar o ritmo, senão perderia o fio da principal meada. Quando terminava um fio, outros apareciam e vinham com força, na mente. Precisou dá um tempo, pois a mão doía. A mente, ao contrário, continuava a fervilhar e a soltar fagulhas de palavras encantadoras e frases mirabolantes das mais miraboláveis. Tinha que aproveitar o tempo e a oportunidade que as palavras chegavam como enxurrada. A grande chuva de frases chegava e ele aproveitava para produzir.
O objeto continuava ali, quente, preso à mão, guiando as palavras, que deslizavam e deslizavam. Um cochilo desta vez o fez escorregar de leve, mas não a ponto de cair. Deteve-o e continuou o trabalho.
E assim, nessa pisadinha, o tempo passou. Algumas horas se passaram sem que ele notasse que o dia declinava. Olhou as laudas e já somavam mais de dez.
"Para que tantas palavras, frases e folhas escritas, se não consigo convencê-la de voltar?"
Desanimou-se e resolveu dar termo àquela tarefa. Se em outras vezes muito mais foi escrito - o dobro, talvez - com mais argumentos, brilhantes, até, e não a fez quebrantar aquele coração de pedra, era preciso parar. Não iria perder tempo. E foi isso que fez. Soltou a caneta, dobrou o papel, colocou no envelope e deixou-o pronto para pôr no correio.
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