sábado, 17 de fevereiro de 2024

CHOVEU

Deus seja louvado! Choveu... Mas não é pela chuva em si mesma que o leitor me vê aqui cantando e bailando; é por outra cousa. a chuva podia ter melhorado o estado sanitário da cidade, sem que me fizesse nenhum particular obséquio. Fez-me um; é o que eu agradeço à Providência Divina.

Já se pode entrar num bond, numa loja ou numa casa, bradar contra o calor e suspirar pela chuva, sem ouvir este badalo:

- A folhinha de Ayer dá chuva para 20 de fevereiro.

Pelo lado moral, era isto um resto das torturas judiciárias de outro tempo. Pelo lado estético, era a mais amofinadora de todas as cega-regas deste mundo:

- Oh! Não pude dormir esta noite! Onde irá isto parar? Nem sinais de chuva, um céu azul, limpo, feroz, eternamente feroz.

- A folhinha de Ayer só dá chuva lá para 20 de fevereiro, acudia logo alguém.

Às vezes, apesar de minha pacatez proverbial, tinha ímpetos de bradar, como nos romances de outro tempo: "Mentes pela gorja, vilão!".

E é o que mereciam todos os alvissareiros de Ayer; era agarrá-los pelo pescoço, derrubá-los, joelho no peito e sufocá-los, até botarem cá para fora a língua e a alma. Pedaços de asnos!

Nem ao menos tiveram o mérito de acertar. Afligiam sem graça nem verdade. 

Habent sua fata libelli! As folhinhas de Ayer, como anúncios meteorológicos, estão a expirar. Só este golpe recente é de levar couro e cabelo. Agora podem prever as maiores tempestades do mundo que não deixarei de sair a pé com sapatos rasos e meias de seda, se tanto for preciso para mostrar o meu desprezo. (De "Bons dias", de Machado de Assis. Publicado em 6 de fevereiro de 1889).


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