Conto de carnaval*
Por Francisco Xavier Gondim
A cidade vivia um clima pré-carnavalesco. Onze da manhã da quinta-feira. Os meninos ligaram garantindo a vinda para uma das maiores festas que a cidade tem, ao lado da Festa do Esporte e Padroeira. Quando eles vinham, era sucesso garantido, pois sempre botávamos aquele "boneco" de arrepiar. Pra começar, quase que desmanchávamos o velho jipe do papai, pintando as laterais e a frente. Pintando, não, melando de tinta até mesmo o para-brisa. A festa estava garantida, sim.
Por que jipe e não o corsa que estava seminovo? Quem conhece jipe sabe que ele "aguenta o pancão". Sua atração nas quatro rodas não deixa ninguém na estrada: enfrenta e vence lama, areia, pedras, subida e os maiores empecilhos.
Depois de termos recebido a ligação, ficamos mais animados ainda pra pularmos o carnaval daquele ano. Tanto assim, é que decidimos começar a nossa festa logo naquela hora. Botamos gás no transporte e pulamos em cima dele, com a mesma roupa que estávamos. Não esperamos que a costureira aprontasse a roupa dos quatro dias.
Como morávamos perto uns dos outros, não foi difícil juntar todos num lugar só e principiarmos a festa antecipadamente. Fomos ao bar de Seu Manuel e pegamos umas vodkas, cervejas, gelo, refrigerantes. Na bodega de Dona Sinhá pegamos carne e alguns quitutes, além de fósforos, óleo, etc. É que decidirmos fazermos uma farrinha fora da cidade enquanto chegava a festa de momo.
E assim, partimos faltando dez para as duas.
Saímos em disparada em direção de um sítio da zona rural que tinha espaço amplo e distava uns três quilômetros. Ao chegarmos lá, já tínhamos consumido umas boas doses. A casa velha estava suja em razão de ser pouco visitada. Da turma, alguns fizeram uma pequena faxina. Outros continuaram tomando a cachacinha em pequenos goles. Outros preferiam ficar ouvindo o som velho do carro e dançar ao redor esquentando o clima de carnaval que só iria começar na cidade no dia seguinte. Preferi pegar gravetos e providenciar um fogo para assar a carne que serviria como tira-gosto.
Nossos vizinhos de sítio ficavam tão distantes que não escutavam nossa zuada. Melhor assim.
Na saída tínhamos decidido voltar antes da meia-noite daquela quinta e emendarmos na folia direto até a manhã da quarta-feira. Já chegava as nove e alguns pareciam baleados pela malvada. O pequeno açude servia de banho para aliviar os efeitos do álcool.
Lá pras dez e meia, perguntei à turma se queria ir embora.
- O clima está muito bom, disse um colega. Era mais de onze quando todos concordaram voltar pra cidade.
- Quem será o motorista? Gritou um.
- Eu, não!
- Também não!
- Também não!
- Eu estou bêbado, mas louco, não!
Apesar de ter tomado umas, chamei-os a razão o fato de estarmos movidos álcool. Mesmo assim, Leo atirou-se dentro do carro dizendo que o conduziria visto que estava em perfeitas condições de guiá-lo.
Como todos estavam incapacitados para dirigir, Leo foi aceito.
- Vamos, porque já são quase meia-noite.
Saímos gritando e o carro voou baixo. Na primeira curva senti que não ia dar certo.
Em poucos instantes, na segunda curva sobramos em cima de uns mofumbos de galhos grossos, descendo num barranco não muito fundo. O espatifado de gente foi pra todo lado. Caí de costas em cima de um colega. Só me lembro disso. Somente no hospital soube de detalhes: cinco foram levados pra cidade vizinha com braços ou pernas quebradas. Os demais curaram seus ferimentos na cidade mesmo.
E o velho jipe? Ah! Dele restaram muita coisa: as rodas, a direção, o esqueleto central e a lembrança.
A nós, a lição de nunca mais querermos combinar álcool, carnaval antecipado e direção de carro.
E os colegas que ligaram? Eles só chegaram à noite da sexta-feira quando já estávamos remoendo no juízo o grande arrependimento da mancada em que havíamos nos metido.
(*"O Conto de carnaval" foi primeiramente publicado no Jornal O Mossoroense e depois no Jornal de Upanema em 3 de março de 2004)
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