ELOGIO DO GAROTO (Humberto de Campos)
A cidade possui, desde ontem, um monumento consagrado ao seu pequenino pardal humano. E eu, que tenho, tantas vezes, escrito sobre a curiosa e simpática figurinha urbana, sinto cócegas nos dedos, para prestar-lhe, também, a minha homenagem. Chego um pouco tarde, é certo. Mas acontece-me sempre assim. Eu sou o freguês que por último compra o jornal. É razoável, portanto, que seja o último, também, a fazer o elogio de quem o vende.
Eu falei em pardal, e a comparação é tão feliz que é bem provável não seja minha. O pardal é a mosca de penas da cidade. Nos morros e nas montanhas, a Natureza oferece-lhe um mundo de frondes, e um viveiro de insetos. A vida aí ser-lhe-ia fácil e doce. Mas o pardal procura a cidade, onde vive o homem. Ao inseto da montanha e à semente da mata, colhidos sem riscos, ele prefere o grãozinho miúdo, o mosquito magro e nervoso, apanhados entre as pedras das ruas. Pula aqui, voa ali, beliscando entre os paralelepípedos; a sua vida é cortada de perigos, de sustos, de ameaças: um burro que passa com a sua carroça, um transeunte que vai apressado, um menino que regresso da escola, um automóvel que vem buzinado, - tudo isso persegue o pardal. Ao anoitecer, é a luta pelo pouso, a batalha pela conquista do lugar onde dormir. As montanhas estão vestidas de árvores enormes e os subúrbios se acham enfeitiçados de chácaras. Mas o pardal prefere o oitizeiro da via pública.. A noite ainda vem longe, e ei-los, às centenas, aos milhares, gritando, piando, volitando, numa disputa infantil e agitada de crianças que brigam por causa de doces. Às rajadas do vento da tarde, a fronde balouça. E a impressão que se tem é que árvore se acha toda amarrada de guizos, e que é um manacá enorme e verde que o vento sacode, brincando com ela. De vez em quando, a ventania arrebata uma folha. Mas a folha vai mergulhar em outra fronde. É um pardal que se mudou.
E o garoto, o pequenino vendedor de jornais do Rio de Janeiro, é como o pardal. Tem a mesma vida, corre os mesmos riscos, espalha a mesma alegria. Durante o dia todo, voa ele de bonde em bonde, tomando o veículo em marcha, gritando as suas folhas, o pacote de jornais debaixo do braço. Despeje o céu, sobre a terra, a carga d'água dos temporais; lancem os homens, pelas ruas, o flagelo das revoluções sanguinárias. E lá está o garoto, atravessando a cidade, sem temer as tempestades dos homens ou as tempestades de Deus. E quanta probidade entre eles! E quanta bondade naqueles pequeninos corações de pardal!
O pequenino vendedor de jornais - A figura do vendedor de jornais quase desapareceu. O jornal impresso também está em fase terminal. Somente um milagre sua extinção não será realidade num futuro bem aí.
VALIDAÇÃO - Quem ainda não sabe o que significa validação, precisa ler o excelente artigo de Stephen Kanitz denominado O poder da validação. O texto diz coisas interessantes. O principal é: você deve elogiar sinceramente as pessoas quando for o caso. Se você vir alguém que fez uma coisa boa, ou até mesmo um visual que você gostou, não custa nada elogiá-la. Por que vivemos fazendo críticas dos outros e nunca paramos para elogiá-los?
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